O Conceito de Mashiach (Messias) no Judaísmo: Uma Análise Abrangente

Por: David Havilá 

  • A crença no Mashiach (Messias) — um futuro redentor que inaugurará uma era de paz universal, justiça e conhecimento divino — constitui um dos 13 princípios fundamentais da fé judaica, conforme articulado por Maimônides. Embora a figura do messias tenha sido popularizada globalmente por outras tradições, seu conceito tem raízes profundas e um significado distinto no pensamento judaico. Compreender a visão judaica do Mashiach é essencial para apreciar a esperança escatológica judaica, sua resiliência histórica e sua abordagem à redenção do mundo.

Origens e Desenvolvimento do Conceito Messiânico

Raízes Bíblicas: De um Título a uma Esperança

O termo “Mashiach” (משיח), literalmente “ungido”, refere-se na Bíblia Hebraica (Tanakh) à prática de ungir indivíduos com óleo sagrado para designá-los a papéis de liderança. Originalmente, não era um título escatológico, mas uma designação para figuras empossadas por Deus, incluindo:

  • Reis de Israel: Saul (I Samuel 24:6), Davi (II Samuel 19:22) e Salomão foram chamados “ungidos do Senhor”.
  • Sumos Sacerdotes (Cohanim Gadolim): Eram ungidos para seu serviço no Templo (Levítico 4:3).
  • Líderes Designados: Surpreendentemente, até o rei persa Ciro é chamado de “ungido” de Deus (Isaías 45:1) por seu papel divinamente ordenado de permitir que os judeus retornassem do exílio babilônico e reconstruíssem o Templo.

A transformação de “mashiach” de um título presente para uma esperança futura ocorreu gradualmente, catalisada pela destruição do Primeiro Templo em 586 AEC e o fim da monarquia davídica. Os profetas começaram a articular a esperança de um futuro rei ideal, um descendente da linhagem de Davi, que restauraria a glória de Israel e estabeleceria uma era de perfeição.


Passagens fundamentais nutriram essa esperança:

Miquéias 5:1 (5:2 no texto cristão): “E tu, Belém Efrata… de ti me sairá o que governará em Israel, e cujas origens são desde os tempos antigos, desde os dias da eternidade.”

Isaías 11:1-2, 9: “Um ramo brotará do tronco de Jessé [pai de Davi]… O espírito do Senhor repousará sobre ele… pois a terra se encherá do conhecimento do Senhor, como as águas cobrem o mar.”

Jeremias 23:5: “Eis que vêm dias, diz o Senhor, em que levantarei a Davi um Renovo justo; e, sendo rei, reinará e prosperará, e praticará o juízo e a justiça na terra.”


Desenvolvimento no Período do Segundo Templo

Sob o jugo de potências estrangeiras (Pérsia, Grécia e Roma), a esperança messiânica se intensificou e diversificou. A literatura apocalíptica da época, como o Livro de Daniel, 1 Enoque e os Manuscritos do Mar Morto, introduziu visões de uma redenção cósmica. Diferentes facções judaicas desenvolveram suas próprias expectativas:

  • Fariseus: Esperavam um líder humano, descendente de Davi, que restauraria a soberania nacional sob a lei da Torá.
  • Essênios de Qumran: Antecipavam dois messias: um real (da linhagem de Davi) e um sacerdotal (da linhagem de Aarão).
  • Zelotes: Focavam na dimensão política, buscando ativamente a derrubada do domínio romano através da força.

As devastadoras derrotas nas revoltas contra Roma (66-73 EC e 132-135 EC) solidificaram a visão de que a redenção seria um evento futuro, não a ser forçado por mãos humanas.



Codificação na Tradição Rabínica

O Talmud e o Midrash estão repletos de discussões sobre o Mashiach. No entanto, foi o Rabino Moshe ben Maimon (Maimônides ou Rambam, 1138-1204) quem sistematizou a crença messiânica como um dogma central. Em seu 12º dos 13 Princípios da Fé, ele declara:

“Eu creio com fé perfeita na vinda do Mashiach, e ainda que ele se demore, mesmo assim, espero todos os dias por sua vinda.” (Ani Ma’amin)

Em sua obra magna, a Mishné Torá, ele dedica os dois últimos capítulos das “Leis dos Reis” para delinear de forma clara e racional os critérios para a identidade e função do Mashiach.


Características do Mashiach na Tradição Judaica

Natureza Humana e Critérios de Identificação

Em contraste direto com a teologia cristã, o Judaísmo afirma que o Mashiach será um ser humano mortal, nascido de pais humanos e descendente direto do Rei Davi através da linhagem de Salomão. Ele não será divino, semi-divino, nem realizará milagres que suspendam as leis da natureza para provar sua identidade. Sua grandeza virá de sua sabedoria, liderança e devoção à Torá.

Maimônides estabelece critérios pragmáticos para sua identificação:

“Se surgir um rei da Casa de Davi que estuda a Torá e se ocupa dos mandamentos como seu antepassado Davi… e ele lutar as guerras de Deus e for vitorioso, e ele reconstruir o Templo em seu lugar e reunir os exilados de Israel, este é, com certeza, o Mashiach.” (Mishné Torá, Leis dos Reis 11:4)

Ele adverte que apenas o cumprimento total dessas tarefas confirma sua identidade. A presunção de que ele pode ser o Mashiach (chezkat Mashiach) se baseia em seu potencial e ações iniciais, mas a confirmação (Mashiach vadai) só vem com a conclusão da missão.


O Papel do Profeta Elias (Eliyahu HaNavi)

A tradição, baseada no profeta Malaquias (3:23-24 ou 4:5-6), sustenta que Elias, o Profeta, que ascendeu aos céus sem morrer, retornará antes da chegada do Mashiach para “converter o coração dos pais aos filhos” e anunciar a iminente redenção.


A Era Messiânica (Yemot HaMashiach)

A era messiânica não é o fim do mundo, mas sim a perfeição do mundo. É uma era de transformação profunda descrita vividamente pelos profetas:

  • Paz Universal: “E converterão as suas espadas em relhas de arado… uma nação não levantará espada contra outra nação, nem aprenderão mais a guerra.” (Isaías 2:4).
  • Conhecimento Divino Universal: “A terra se encherá do conhecimento de Deus, como as águas cobrem o mar.” (Isaías 11:9).
  • Prosperidade e Fim do Sofrimento: A fome, a doença e a morte cessarão. A humanidade viverá em harmonia com a natureza.
  • Reunião dos Exilados (Kibutz Galuyot): O Mashiach reunirá todo o povo judeu na Terra de Israel.
  • Reconstrução do Templo: O Terceiro e definitivo Templo Sagrado será reconstruído em Jerusalém.

Maimônides oferece uma visão notavelmente naturalista, afirmando que “o mundo continuará como é” (olam ke-minhago noheg), sendo a principal mudança o fim da subjugação de Israel, o que permitirá ao povo se dedicar sem impedimentos ao estudo da Torá e ao cumprimento das mitzvot. Outras autoridades, como Nachmanides (Ramban), preveem transformações mais abertamente milagrosas na própria natureza da criação.


Era Messiânica vs. Mundo Vindouro (Olam HaBa)

É crucial distinguir a Era Messiânica do Mundo Vindouro:

  • Yemot HaMashiach (Era Messiânica): Ocorre neste mundo físico, aperfeiçoado. É um período histórico e político.
  • Techiyat HaMetim (Ressurreição dos Mortos): Um evento miraculoso que, segundo muitas autoridades, ocorrerá durante a Era Messiânica.
  • Olam HaBa (Mundo Vindouro): Uma realidade puramente espiritual, um estado da alma após a morte (ou após a ressurreição), onde ela desfruta do brilho da Presença Divina.

Falsos Messias e o Ceticismo Saudável

A intensa esperança messiânica, especialmente em tempos de sofrimento, levou ao surgimento de movimentos em torno de figuras carismáticas. Os casos mais notáveis incluem:

  • Shimon Bar Kokhba (séc. II): Apoiado pelo grande Rabino Akiva, sua derrota devastadora contra Roma ensinou uma lição de cautela.
  • Shabetai Tzvi (séc. XVII): Um movimento que varreu o mundo judaico, cujo colapso após sua conversão forçada ao Islã causou um trauma profundo e duradouro.
  • Jacob Frank (séc. XVIII): Um sucessor de Tzvi, cujo movimento antinomiano culminou na conversão em massa ao Catolicismo.

Essas experiências levaram a uma extrema cautela rabínica contra o messianismo prematuro, reforçando a visão de Maimônides de que apenas o sucesso total e verificável pode confirmar a identidade do Mashiach.


Interpretações Contemporâneas: Um Espectro de Crenças

  • Judaísmo Ortodoxo: Mantém a crença em um Messias pessoal.
    • Haredi (Ultra-ortodoxo): Geralmente acredita que a redenção virá apenas por meios divinos e sobrenaturais, e rejeita a ideia de que a ação política humana (como o sionismo) possa “apressá-la”.
    • Sionista Religioso: Vê o Estado de Israel e a reunião dos exilados como o “início da florescência da nossa redenção” (atchalta d’geulah), um passo crucial, embora não final, no processo messiânico.
    • Chabad-Lubavitch: Este movimento tem uma visão messiânica particularmente ativista. Enfatiza que através de atos de bondade e do cumprimento das mitzvot, esta geração pode ativamente inaugurar a era messiânica. Há uma crença difundida dentro do movimento de que seu último líder, o Rebe Rabbi Menachem Mendel Schneerson (1902-1994), se encaixa perfeitamente no perfil do Mashiach, e muitos acreditam que ele se revelará como tal.
  • Judaísmo Conservador (Masorti): Mantém a esperança messiânica em sua liturgia, mas frequentemente a interpreta como a chegada de uma era messiânica de paz e justiça, sem necessariamente focar em um redentor pessoal.
  • Judaísmo Reformista e Reconstrucionista: Reinterpretou o conceito, rejeitando a ideia de um Messias pessoal em favor de uma “Era Messiânica”. A Plataforma de Pittsburgh de 1885 declarou: “Nós reconhecemos em cada era moderna uma aproximação da realização da grande esperança messiânica de Israel por uma era de verdade, justiça e paz entre todos os homens.”

A Esperança Messiânica na Liturgia e na Vida Judaica

A aspiração pela redenção permeia a vida judaica:

  • Orações Diárias: A oração da Amidá inclui bênçãos explícitas pela reunião dos exilados (10ª), restauração da justiça davídica (11ª), reconstrução de Jerusalém (14ª), e pelo florescimento do “ramo de Davi” (15ª, Et Tzemach David).
  • Shabat e Festivais: O Shabat é considerado um “sabor do Mundo Vindouro” (me'ein Olam HaBa). A cerimônia da Havdalá conclui com canções sobre o profeta Elias. A Páscoa termina com a declaração “No próximo ano em Jerusalém!”.
  • Rituais de Vida: A quebra de um copo em um casamento judaico serve como um lembrete de que, mesmo na maior alegria pessoal, a alegria não está completa sem a redenção final e a reconstrução do Templo.

Uma Esperança Ativa e Duradoura

A crença judaica no Mashiach é uma afirmação poderosa de que a história tem um propósito e que a humanidade, guiada por um líder justo e inspirada pela Torá, pode alcançar um estado de perfeição. É uma esperança que equilibra o particularismo (a redenção do povo judeu) com o universalismo (a paz para toda a humanidade).

Como observou o rabino Jonathan Sacks, “O Judaísmo é a fé que transformou a esperança em força motriz da civilização ocidental.” Esta esperança messiânica — paciente, mas persistente; visionária, mas prática — não é uma espera passiva, mas um chamado à ação. É a crença de que cada ato de bondade, cada mitzvá cumprida, cada passo em direção à justiça, “apressa” a chegada do dia em que a profecia de Isaías se tornará realidade para todo o mundo.


Fontes Primárias para Consulta

  • Tanakh (Bíblia Hebraica):
    • Torá: Números 24:17-18 (Profecia de Balaão sobre uma “estrela de Jacó”).
    • Profetas (Nevi’im): Isaías 2, 11; Jeremias 23, 33; Ezequiel 34, 37; Miquéias 5; Zacarias 9, 14; Malaquias 3.
  • Talmud Bavli: Tratado Sanhedrin, capítulos 10 e 11 (folhas 97a-99a), contém as discussões rabínicas mais extensas sobre o Messias e a Era Messiânica.
  • Maimônides (Rambam):
    • Mishné Torá, “Hilchot Melachim u’Milchamoteihem” (Leis dos Reis e suas Guerras), Capítulos 11 e 12.
    • Comentário à Mishná, Tratado Sanhedrin, Introdução ao Capítulo 10 (onde ele lista os 13 Princípios da Fé).





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